Sesmaria foi um instituto jurdico
portugus que normatizava a distribuio de terras
destinadas produo: o Estado, recm-formado e sem
capacidade para organizar a produo de alimentos,
decide legar a particulares essa funo. Este sistema
surgira em Portugal durante o sculo XIV, com a Lei das
Sesmarias de 1375, criada para combater a crise agrcola
e econmica que atingia o pas e a Europa, e que a peste
negra agravara.
Quando a conquista do territrio brasileiro se efetivou
a partir de 1530, o Estado portugus decidiu utilizar o
sistema sesmarial no alm-mar, com algumas adaptaes.
A partir do momento em que chegam ao Brasil os
capites-donatrios, titulares das capitanias
hereditrias, a distribuio de terras a sesmeiros (em
Portugal era o nome dado ao funcionrio real responsvel
pela distribuio de sesmarias, no Brasil, o sesmeiro
era o titular da sesmaria) a a ser uma prioridade,
pois a sesmaria que vai garantir a instalao da
plantation aucareira na colnia.
A principal funo do sistema de sesmarias estimular a
produo e isso era patente no seu estatuto jurdica.
Quando o titular da propriedade no iniciava a produo
dentro dos prazos estabelecidos, seu direito de posse
poderia ser cassado.
na distribuio das terras que est a origem do
sistema sesmarial, uma forma que se difundiu pelo sul de
Portugal a partir do sculo XIII e que se converteu em
verdadeira poltica de povoamento, estendendo-se s suas
colnias. A instituio de um conselho municipal
implicava na necessidade da distribuio de suas terras
pelos moradores. Para coibir pretenses territoriais
desmesuradas, generalizou-se nessa poca a utilizao de
uma variante do antigo instrumento greco-romano da
enfiteuse, que ficou conhecida como sesmaria.
A enfiteuse um contrato de alienao territorial que
divide a propriedade de um imvel em dois tipos de
domnio: o domnio eminente, ou direto, e o domnio
til, ou indireto. Ao utilizar um contrato enfitutico,
o proprietrio de pleno direito de um bem no o
transfere integralmente a terceiros. Apenas cede seu
domnio til, isto , o direito de utilizar o imvel e
de nele fazer benfeitorias, retendo, entretanto, para si
o domnio direto, a propriedade em ltima instncia. Em
troca do domnio indireto que lhe reado, o
outorgado aceita uma srie de condies que lhe so
impostas, e obriga-se tambm a pagar uma penso anual ao
proprietrio do domino direto, razo pela qual
transforma-se em foreiro do ltimo. No cumprindo o
foreiro as condies do contrato, o domnio til reverte
ao detentor do domnio direto.
O que singularizava as sesmaria do tradicional contrato
enfitutico era que, ao contrario da obrigatoriedade do
pagamento de um foro, o que se exigia era o cultivo da
terra num tempo determinado. Buscava-se, com isso,
garantir o uso produtivo da terra e o sucesso do esforo
de povoamento.
Com a expanso martima portuguesa, o instituto da
sesmaria foi transposto para as conquistas. Grande
viabilizador do processo de apropriao do territrio
brasileiro importante entender o Perodo Colonial sem
que se faa referncia ao Sistema Semarial, que s foi
abolido s vsperas da Independncia. Todavia, seu
impacto sobre a estrutura fundiria do pas faz-se
sentir at hoje.
Colonizao e o sistema Sesmarial
A Coroa Portuguesa tomou posse do territrio brasileiro
por aquisio originria, isto , por direito de
conquista. Por essa razo, todas as terras descobertas
aram a ser consideradas como terra virgem sem
qualquer senhorio ou cultivo anterior. A carta patente
dada a Martim Afonso de Souza unanimente considerada
como o primeiro documento sobre sesmarias do Brasil.
Se a ordem da Coroa era para que a concesso de
sesmarias no Brasil fosse feita segundo estabeleciam as
Ordenaes, a verdade que a prtica acabou sendo bem
outra. As alteraes feitas por Martim Afonso
primeiramente se deu com as influncias diferenciadoras
de espao e tempo que fizeram-se presentes desde o
incio da colonizao. Ao conceder as primeiras
sesmarias, Martim Afonso j o fez em carter perptuo,
contrariando o texto rgio que estabelecia que a doao
seria apenas vitalcia. No h duvida, entretanto, que
essa modificao veio a se adequar melhor aos objetivos
da colonizao. No seria possvel povoar uma terra to
longnqua e habitada por povos hostis, sem que se
pudesse garantir aos conquistadores o direito de
transferir o fruto de seus esforos a seus herdeiros.
Logo ficou claro que o tempo no poderia comear a
correr desde a data da doao, j que a insubmisso do
indgena dificultava o aproveitamento das terras e, no
raro, impedia mesmo a sua ocupao.
Como o sistema de produo colonial crescia por
extenso, a liberdade na concesso ou a ser a regra,
sobretudo no sculo XVI, o que fez surgir propriedades
de dimenses impensveis no agro portugus e que
cresciam ainda mais por aquisio derivada pela anexao
de outras glebas obtidas por doao, compra ou herana.
Na realidade, a prpria Coroa incentivou a concentrao
de terras. Assim fica claro que o significado do termo
sesmeiro acabou se invertendo no Brasil. Na colnia, ele
ou a ser aplicado ao beneficirio da doao e no,
como era uso em Portugal, quele que tinha poder real
para distribuir terras de sesmaria.
Desde o principio o sistema sesmarial era a
obrigatoriedade de cultivar o solo num determinado
prazo, sob pena de cancelamento da concesso. deste
perodo que se entende o incio de um processo agrcola
com a implantao do plantation. Plantation foi um
sistema agrcola amplamente utilizado durante a
colonizao europia na Amrica. Nesse perodo de
expanso do capitalismo mercantilista utilizava-se em
larga escala a mo de obra escrava. Este sistema
agrcola se desenvolveu no perodo colonial e usado
at hoje em grandes latifndios, principalmente em
plantaes de cana de acar e caf.
Nas conquistas, entretanto, as sesmarias incorporaram
uma exigncia adicional: o pagamento do dzimo Ordem
de Cristo, o que na realidade queria dizer pagamento
prpria Coroa. Mais do que um imposto cobrado dos que
recebiam as terras, o dzimo era a justificativa mesmo
do processo de conquista. O dizimo era um nus sobre a
produo e incidia sobre a agricultura e a pecuria
coloniais. Era, na realidade, um tributo eclesistico,
que deveria ser pago inclusive por quem no possusse
terra, j que como cristo, todos os produtores deveriam
contribuir para a propagao da f. A arrecadao do
dizimo criou no Brasil um eficiente esquema de delegao
de poderes que deu origem, por sua vez, a um engenhoso
sistema de regionalizao da cobrana.
Com as conquistas foram transplantadas para o Brasil as
praxes metropolitanas de controle territorial, dentre as
quais tomou vulto, desde o incio, a adoo de um
sistema municipalista de base urbana e de razes
romanas. As vilas resultaram da deciso de donatrios e
governadores, que tinham poder para cri-las, ou de
ordem real para que se elevasse a essa categoria algum
arraial. A criao de cidades, entretanto, foi sempre um
atributo exclusivo da Coroa. Vilas e cidades
diferenciavam-se, entretanto, bastante dos arraias, pois
s nelas estava a sede de um governo local.
Caracterizado desde o incio pela imensido das glebas
concedidas e pela impreciso de seus limites, era
inevitvel que o processo de apropriao das terras
brasileiras acabasse dando origem, com o tempo, a uma
srie de conflitos. Os posseiros surgiram desde o
incio. No tendo o a terras gratuitas a no ser a
grandes distncia dos ncleos de povoamento, muitos
sesmeiros potenciais simplesmente optaram por ocupar
pores aproveitadas das sesmarias j concedidas. Alguns
deles, ricos e poderosos, conseguiram inclusive obter
legalmente essas terras tornando letra morta a clusula
de que a doao s era vlida no tendo sido dada a
terra a outrem.
O sistema sesmarial perdurou no Brasil at 17 de julho
de 1822, quando a Resoluo 76, atribuda a Jos
Bonifcio de Andrade e Silva, ps termo a este regime de
apropriao de terras. A partir da a posse ou a
campear livremente no pas, estendendo-se esta situao
at a promulgao da lei de terras, que reconheceu as
sesmarias antigas, ratificou formalmente o regime das
posses, e instituiu a compra como a nica forma de
obteno de terras.
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