"O maiore distritto di Zan Baolo
O maise bello e ch'io maise dimiro
o B Retiro" (Ju Bananre)
Ju Bananre nunca existiu. Mesmo assim, escreveu um dos mais ricos
e reveladores
retratos da So Paulo do incio do sculo que se conhece: La Divina
Increnca. A cidade era ento primordialmente italiana. Nada mais
natural, portanto, que um conterrneo de Dante descesse ao inferno
da jovem metrpole e narrasse, num misto de italiano e portugus, as
aventuras que pululavam pelas ruas da Paulicia.
Nessas aventuras, o bairro do Bom
Retiro tem um papel central. O que tambm no de se estranhar.
Afinal, desde a construo da So Paulo Railway, inaugurada em 1867,
o bairro, devido a sua proximidade com as estaes ferrovirias, se
tornara um ponto efervescente para armazns, que guardavam as
mercadorias trazidas pela famigerada "inglesa". No tardou que
surgisse uma indstria que transformasse essas mercadorias, marcando
definitivamente, com fisionomia operria, o Bom Retiro.
Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, o
verdadeiro autor de La Divina Increnca, estava situado de maneira
privilegiada para descrever o que ocorria no bairro e na cidade.
Apesar de ostentar um sobrenome inconfundivelmente brasileiro, fora
aluno da Escola Politcnica, localizada na rua Trs Rios, l no Bom
Retiro. Pde provavelmente, assim, presenciar, em primeira mo,
muito do que depois narrou.
O Bom Retiro de Ju Bonanre pouco
tinha a ver com o bairro original. Apesar de apenas 1.600 metros o
separarem da regio central da S, tinha sido at a construo da
estrada de ferro uma aprazvel regio de chcaras, procuradas,
durante os finais-de-semana, como refgio pelas mais abastados
famlias de So Paulo. Uma delas se chamava justamente Bom Retiro.
A segunda leva importante de
imigrantes modifica, mais uma vez, a cara do bairro. Se os italianos
que tinham se instalado, desde 1880, nas proximidades das estaes
ferrovirias eram em geral operrios, os judeus que am a chegar
a partir de 1900, so principalmente comerciantes.
Substituem os srio-libaneses, que como mascates, comerciantes
ambulantes, percorriam o Brasil, oferecendo uma ampla gama de
mercadorias para a populao de baixa renda. A imigrao mais antiga
dos assim chamados mascates turcos, j que eram naturais de pases
ento pertencentes ao imprio otomano, com o tempo ara a se
fixar em alguns pontos de comrcio e indstria ligeira.
De qualquer forma, tanto uns como
outros, ofereciam muito mais opes de consumo para os trabalhadores
das fazendas do que as anteriormente existentes com os "barraces",
controlados pelos proprietrios rurais. Boa parte das grandes redes
de magazine, que ainda vendem a prazo, tem sua origem nesse tipo de
comrcio.
Porm, um ponto, em especial,
diferencia os judeus dos srios e libaneses. Os ltimos so em
nmero muito maior do que os primeiros, cerca de dez vezes mais, o
que possibilitou que se dispersassem pelo pas. Os pouco numerosos
judeus, em compensao, que hoje so cerca de 150 mil em todo pas,
se quiserem manter sua identidade precisam se concentrar em reas
especficas, tendo escolhido principalmente os grandes centros
urbanos para tanto.
Na capital do estado de So Paulo,
onde se encontra quase a metade dos judeus brasileiros, se instalam,
de incio, principalmente no bairro do Bom Retiro. L se
especializaro no comrcio e na indstria ligeira de confeco de
roupas feitas. A rua Jos Paulino, agem nica da Estao da Luz
para o Bom Retiro, tinha e ainda tem papel central nessas
atividades.
As palavras de Hilrio Dertnio servem
para descrev-la ontem como hoje:
"Muitas velhas casas da rua foram derrubadas e no lugar se
construam grandes galerias, com centenas de lojas em cada uma,
principalmente de artigos de vesturio, muitas delas tendo, nos
fundos, suas prprias oficinas de costura ou fbricas de malhas,
gravatas, e quejandas mercadorias. Sobrou pouco espao para o
restante do comrcio: h duas ou trs farmcias, panificadoras,
agncias bancrias, casas de lanches, leiterias, reparties
pblicas, construtoras, as, casas de mveis,
transportadoras, apenas o suficiente para que a rua possa viver. O
restante so lojas, lojas, lojas, onde todos os seis milhes de
paulistanos poderiam se abastecer".
Dos judeus que substituram os italianos como populao majoritria
do bairro, aos coreanos, bolivianos e peruanos que no param de
afluir, pouco parece ter mudado no Bom Retiro. verdade que as
enormes diferenas culturais do a impresso da existncia de uma
quase arqueologia urbana no bairro, que deixa sobreposta, em camadas
pelas ruas, a contribuio de cada povo.
Por outro lado, leva atrs de leva de
imigrantes veio a exercer atividades econmicas similares, fazendo
uso de expedientes tambm parecidos para produzir e comerciar.
Especializaram-se na venda de roupas baratas produzidas em precrias
confeces, onde na falta de capital, o trabalho intensivo.
Souberam se beneficiar da proximidade com as estaes ferrovirias,
ponto para e de onde afluem as mercadorias demandadas pelas camadas
mais pobres da megalpole paulista.
A ssim,
com engenho, e de forma muitas vezes brutal, vo superando suas
limitaes. No final, mudam-se do bairro decadente, como fazem
atualmente os judeus e os coreanos, e antes delesos italianos, para
que ai s fiquem os mais pobres, hoje de rostos andinos, submetidos
a um regime de trabalho prximo da escravido.
quase certo, portanto, que
bolivianos e peruanos no nutriro desejos como os de Ju Banarar:
"Ai chi mi dera
Chi o meu rtimo sospiro
Fosse l nu B Ritiro,
I o meu tumbolo tamb".
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